NO AVIÃO
Voltava comovida por uma subta emoção. Sentia uma espécie de enjôo que saía da garganta e descia ao estômago. Mas era um enjôo de contentamento, de emoção. Sabia que voltava mais plena, mas sábia, mais bela, mais vivida. Mais garrida. Tudo: o contato com os seres humanos, o contato com a cultura, o contato decepcionante com os amigos, as ruas cheias de carros, o bairro do alto, a arquitetura colonial, as cholitas, as bochechas vermelhas das crianças, os baños sujos, a imobilidade diante de situações que não podem ser mudadas (não podem?), os novos rostos, a eloqüência da argentina e sua definição: Maradona é a representação mais fiel do argentino, a litost, o livro de Kundera, a revelação do absurdo das coisas pelo diabo, o riso nervoso do anjo, o riso, o esquecimento, Tamina e o nosso desejo de falar e não ouvir ou de ouvir alguns poucos apenas, a tornava mais sublime, mais bela, mais criativa. Pensava naqueles que não gostava tanto, mas que teria que conviver por algum tempo, pensava nos que amava com paixão, pensava que temia voltar à realidade, à rotina e que tinha muito projetos para dar continuidade. Muitos! Era uma pessoa cheia de projetos. E que precisaria sempre voltar e ler essas palavras. Elas lhe dariam força. O que está registrado tem mais força: atua pelo visual e pelo mental. Não basta apenas mentalizar. É necessário olhar. Queria compartilhar, viver amar. Sentia-se mais bela, diferente, vivida. Kundera faria agora parte de sua vida. Todos os acontecimentos fariam parte de sua vida. Todas as paisagens. O frio que sentiu, a raiva, o desapego, o desprezo. Era uma e muitas ao mesmo tempo. Pensava numa música de Milton Nascimento. Pensava que escreveria para a amiga argentina. Pensava nas cartas eletrônicas que iria escrever. Pois vivia no século XXI e não tinha tempo nem disposição para escrever cartas "à moda antiga". Pensava em todos os desejos que sentia. Pensava que estava viva. Estava plena e novamente se enchia de enjôo prazeroso que saía de sua garganta e descia ao estômago. Estava viva.
(Alessandra Gomes)

Comentários

Alezinha,
vc escreve com a alma toda
vc mexe com minha alma,
bjs

ah! Leia meu blog
http://experimentepraversevcgosta.blogspot.com/

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